28 dezembro 2013

I


estou à espera que este cansaço me deixe as pernas
estou à espera que esta moleza me abandone o corpo
vou ficar à espera que me deixe respirar sem ter de pensar
porque os sonhos ocupam espaço e tempo, e eu preciso de mais tempo e espaço para os sonhos               ou então..
ou então fazia da vida um sonho
mas estas correntes a que me sujeitaram sufocam-me os pulsos 
por mais que eles tentem não conseguem gritar
já estão cansados
mas..
mas os pulsos não gritam

não, não gritam, mas tu gritas

verdade, pois grito.. 
ao contrário! eu não grito. 
posso, mas não grito.

e esperas o quê?

não espero nada, só não faço aquilo que não me compete
vivo para os outros, faço pelos outros, até que o meu eu acabe a dançar com o vento e no fim ninguém perceba quem eu sou

nunca vi tal coisa..

então sai de casa e voa. 
não! escusas de te levantar, mantém os olhos fechados e sai.

então é assim que tu vives?

não lhe chamo de vida, mas vivo assim

deixei o medo apoderar-se de tudo até que tudo fosse medo e nada me pudesse tocar
deixei que o meu corpo caísse de forma a eu não ter como me expressar
deixei que todo o mal me varresse 
deixei que tudo se desvanecesse
até que me tornei vento
e dele já não não tenho medo
pois se há mal e tormento
é de mim e não do tempo

quase parecias poeta (ri-se)

é isso que nunca morre

o quê? a poesia?

não, quer dizer.. essa também não morre..

então de que falas?

falo dessa forma de expressão, essa onomatopeia irritante e tão incerta, essa felicidade a mais. como lhe chamam?..

gargalhadas?

(aceno)

não temas. elas vieram por bem, foram simpáticas

(desvio o olhar de uma conversa na qual me sinto nua, continua a falar mas eu não a ouço; ignoro porque já sei o que vai dizer)

(...) não vivas dentro de ti!

isso foi uma ordem?

não, apenas soa bem (esboça um sorriso para evitar a gargalhada), quase parecia poesia!

mas porquê? porque é que insistes nessa boa disposição? tu e todos..

(de repente perde a expressão, congelam-lhe os lábios)

(eu fico sem ar)

então é isso? é inveja? sai de ti! e agora sim, é sem dúvida uma ordem! sai de ti! (grita) a vida está cá fora, as pessoas estão cá fora, não te deixes ao abandono e não esperes que por estar mal todos tenham de sentir o mesmo. se tu estás mal, safa-te. ninguém é macaco para ir atrás dos teus sentimentos. safa-te.

(esta última palavra ecoou na sala)

não penses que todos correm a trás dos sentimentos dos outros. ninguém é assim, nunca vi tal coisa! porque te amarras aos sentimentos dos outros?

para sentir o que eles sentem, que mal isso tem?

essa resposta não me satisfez, demasiado banal, esforça-te

mas é a resposta que tenho

(não provoca som ou movimento)

o que eu sinto é verdadeiro até um certo ponto. sou sincera quando o digo - e isso dura para sempre. quando mo proíbem de dizer eu começo a duvidar se alguma vez aquilo teria sido mesmo verdadeiro. a minha cabeça torna-se a pior sala-de-estar. por isso vou em busca de alguém que me fale de si, para apagar aquilo que existe em mim, para eu sentir o que esse alguém sente. mas é pior. tudo isto vai tornar-se num emaranhado de sentimentos e momentos que eu já não percebo se são meus ou dos outros. não consigo descartar nada, fico com tudo mas não me lembro de nada.

seria difícil lembrares-te de alguma coisa quando tentas viver

tento viver?

ora
achas isso uma forma de vida? 
estás a tentar sobreviver amarrando-te à vida dos outros porque a tua já era.
já como o outro dizia: "...quieta como uma planta, morta como uma flor".
aposto que estás a pensar «agora tudo faz sentido»

(em parte fazia sentido)


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